ReverĂȘncia » Kenneth Wieske
- Os Puritanos
- 8 de set. de 2014
- 6 min de leitura

Por isso, recebendo nĂłs um reino inabalĂĄvel, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradĂĄvel, com reverĂȘncia e santo temor; porque o nosso Deus Ă© fogo consumidor â (Hebreus 12:28,29).
Estou angustiado. JĂĄ Ă© difĂcil viver num mundo onde os Ămpios zombam de Deus. Mais difĂcil ainda Ă© presenciar a irreverĂȘncia e leviandade que reinam no meio que se diz evangĂ©lico. Quando, porĂ©m, testemunho estas coisas no meio daqueles que confessam a fĂ© bĂblica e reformada, fico angustiado.
Deixe-me dar alguns exemplos.
Vejo irreverĂȘncia quando se canta louvores ao Senhor. Vejo presbĂteros, durante o cĂąntico do Ășltimo Salmo ao se encerrar uma reuniĂŁo do Conselho, arrumando livros e documentos. Em conferĂȘncias ou cultos, pessoas acham o momento do cĂąntico dos Salmos apropriado para conversar a alta voz com seu vizinho ou para tirar uma dĂșvida ou atĂ© para tratar de coisas que nĂŁo tĂȘm nada a ver com a ocasiĂŁo. Os responsĂĄveis pelo som aproveitam o momento em que a Igreja estĂĄ cantando para conversar sem serem ouvidos.
Vejo irreverĂȘncia quando se ora ao Senhor. NĂŁo hĂĄ momento mais adequado, pensam, para se entrar e sair do auditĂłrio. Afinal de contas, a grande maioria estĂĄ de olhos fechados e portanto posso aproveitar deste momento. Pior ainda Ă© a prĂĄtica de bater fotos durante a oração.
Vejo irreverĂȘncia quando se lĂȘ a Palavra. Estamos ouvindo a voz do prĂłprio Deus, mas basta qualquer coisinha para nos desviar a atenção. O celular começa a vibrar, ou vemos alguĂ©m passando, e no instante esquecemos dAquele que estĂĄ nos falando.
De onde vem tamanha irreverĂȘncia no meio daqueles que confessam o nome de Cristo?
Acredito, em primeiro lugar, que estamos sendo fortemente influenciados pela informalidade que reina na sociedade ao nosso redor. A nossa sociedade moderna nĂŁo crĂȘ mais em reverĂȘncia e respeito. Pelo contrĂĄrio, a irreverĂȘncia Ă© celebrada como se fosse uma afirmação de liberdade e autonomia. Um sapo colocado em ĂĄgua quente pula fora logo. PorĂ©m, ele nĂŁo pula fora da ĂĄgua se ficamos esquentando aos poucos. Da mesma forma, nos acostumamos Ă crescente irreverĂȘncia que estĂĄ se aumentando num ritmo imperceptĂvel. Faça uma comparação entre hoje e o ano passado, e nĂŁo consta muita mudança. Faça entĂŁo uma comparação entre hoje e 20 anos atrĂĄs: existe ainda aquela reverĂȘncia do passado?
Em segundo lugar, reina no meio que se diz evangĂ©lico, uma ideia equivocada de que a nova dispensação da aliança inaugurada na morte e ressurreição de Cristo exija menos reverĂȘncia e solenidade nos atos de culto do que na antiga dispensação. O Deus solene e distante do Antigo Testamento, um santo juiz diante de quem o povo tremia, cedeu lugar para o Deus legal e simpĂĄtico do Novo Testamento, que pede desculpas por tantos problemas no mundo, mas que nos ama e tem um "plano maravilhoso" para as nossas vidas.
Em terceiro lugar, somos profundamente envolvidos pelo conceito de culto oriundo do movimento Finneyano do sĂ©culo XIX. Para Charles Finney e seus seguidores, o momento de culto estĂĄ focado no indivĂduo com o propĂłsito de incitar nele uma reação emocional ao evangelho. O culto solene, entĂŁo, se tornou um momento no qual buscamos uma experiĂȘncia religiosa para nĂłs. Tudo gira em torno do participante, que tem de se sentir bem e tem de sair satisfeito com suas necessidades preenchidas. NĂŁo Ă© surpresa que este conceito de culto resulte no tratamento dado Ă adoração nas igrejas, semelhante ao que Ă© dado Ă nossa televisĂŁo: o culto existe para nos informar, nos divertir, nos emocionar. Quando, entĂŁo, toca o celular ou bate a vontade de conversar com a pessoa ao nosso lado, nĂŁo temos nenhum problema em âbaixar o volumeâ e desviar a atenção.
O apĂłstolo Paulo, em Romanos capĂtulo 12, nos ensina como devemos reagir Ă primeira fonte de irreverĂȘncia. Falando do culto racional que devemos a Deus em todo momento da nossa existĂȘncia, ele nos chama a nĂŁo nos conformar com este sĂ©culo, mas sermos transformados pela renovação da nossa mente. O que isto significa em termos prĂĄticos? Significa que por mais que a reverĂȘncia e o respeito tenham se tornado inexistentes em nossa cultura, a famĂlia cristĂŁ jamais os deixarĂĄ de ensinar. Isto começa em casa. Os nossos filhos aprendem na hora da leitura bĂblica (vocĂȘ lĂȘ a BĂblia todos os dias com os seus filhos, nĂŁo Ă©?) qual Ă© o comportamento apropriado e reverente quando Deus fala conosco. AtĂ© bebĂȘs pequenos podem, quando ensinados com muito amor e gentileza, a aprender aos poucos como ficar assentados e quietos durante as devocionais da famĂlia. Os filhos aprendam tambĂ©m com o nosso exemplo. Papai estĂĄ lendo a Palavra e toca o telefone. Nada mais natural do que colocar o telefone em mute e continuar dando atenção Ă Voz de Deus. Veja o que vocĂȘ estĂĄ ensinado aos seus filhos quando qualquer interrupção logo lhe faz colocar Deus em segundo plano para atender Ă s coisinhas do homem.
Temos de entender o que estĂĄ acontecendo quando lemos a Palavra, tanto em casa quanto no culto pĂșblico. Deus estĂĄ falando conosco. O amado das nossas almas estĂĄ nos declarando o Seu amor, estĂĄ nos consolando, estĂĄ nos instruindo. Imagine uma noiva que estĂĄ ouvindo seu noivo declarando o seu amor com tanta paixĂŁo, mas em meio a esta declaração toca o celular e ela sem pensar duas vezes se vira e começa falar ao telefone. Qual a mensagem que ela estĂĄ dando ao noivo? O que seria muita falta de respeito entre seres humanos Ă©, de fato, blasfĂȘmia quando praticado contra Deus.
Aprendemos no capĂtulo 12 da carta aos Hebreus como devemos reagir Ă segunda e Ă terceira fonte de irreverĂȘncia mencionadas. O apĂłstolo nos ensina neste livro inteiro como o culto solene Ă© um encontro solene entre Deus e o Seu povo. No capĂtulo 12, ele faz questĂŁo de mostrar que a reverĂȘncia e a solenidade nĂŁo sĂŁo menores em nossa Ă©poca mas, ao contrĂĄrio, o encontro se tornou ainda mais terrĂvel e assustador do que no monte Sinai. De forma repetida e enfĂĄtica ele mostra que, se o encontro entre Deus e o Seu povo foi uma questĂŁo de vida ou morte no Antigo Testamento, agora ele se tornou algo muito mais perigoso no Novo Testamento. No culto neotestamentĂĄrio, nĂŁo estamos adentrando a um lugar santo que Ă© mais uma cĂłpia e sombra das realidades celestiais. Antes, estamos adentrando diante do Trono do Universo, e por meio de Cristo estamos prestando um culto diretamente Ăquele que estĂĄ sentado entre os querubins. Por isto, Paulo menciona a presença dos anjos no culto CristĂŁo (1 Co. 11:10).
Ou seja, quando o pastor estĂĄ pregando o evangelho como porta-voz de Deus, Ă© o prĂłprio Deus que estĂĄ falando (JoĂŁo 13:20, 2 Co 5:20). Sua palavra estĂĄ, pelo poder do EspĂrito Santo, operando milagres de regeneração e fĂ© nos coraçÔes (1 Pedro 1:23-25) â estamos na oficina do EspĂrito! Como Ă© possĂvel que pessoas estejam entrando e saindo, verificando seus e-mails no celular, conversando uns com os outros dentro e fora do auditĂłrio? O Santo de toda a terra estĂĄ falando com aquela Voz que tem o poder de criar universos, de fazer novas criaçÔes em Cristo, mas tambĂ©m de levar pessoas ao juĂzo e inferno eternos. Ai daquele que nĂŁo presta atenção! (Hebreus 12:25).
SerĂĄ que entendemos o que acontece quando oramos e cantamos a Deus? Quando oramos, estamos falando com o Criador. Ele nos concede audiĂȘncia. Se vocĂȘ consegue fazer qualquer outra coisa alĂ©m de pensar intensamente na glĂłria, na majestade e na grandeza dEle, vocĂȘ nĂŁo entende nada sobre oração.
Se nĂŁo fica profundamente movido e emocionado pelo fato de que, em Cristo, vocĂȘ estĂĄ conversando com Aquele que habita em luz inacessĂvel, vocĂȘ nĂŁo entende nada sobre oração. Se consegue entrar e sair, levantar e sentar, conversar, pensar em outras coisas, bater fotos ou fazer qualquer outra coisa, vocĂȘ nĂŁo sabe o que estĂĄ acontecendo. NĂŁo estamos diante de um programa que estĂĄ passando na televisĂŁo. Estamos no momento mais Ăntimo com o Bispo e Pastor das nossas almasâe vocĂȘ estĂĄ perdendo este momento.
O mesmo se aplica ao nosso cantar. Os Salmos sĂŁo as oraçÔes dos santos, dirigidas ao Senhor. Calvino, no prefĂĄcio ao SaltĂ©rio Genebrino de 1543, fala sobre os dois tipos de oração: falada, e cantada. O que vocĂȘ estĂĄ comunicado ao Amado da sua alma quando vocĂȘ, de uma forma distraĂda, estĂĄ se concentrando em tantas outras coisas que nĂŁo estĂĄ juntando sua voz Ă s vozes dos demais santos, e nem estĂĄ cantando de coração? Sabe quem sĂŁo os piores exemplos nisto, muitas vezes? NĂłs, pastores e presbĂteros. Usamos o momento quando a Igreja louva a Deus, para resolver pequenas coisas, passar um recado a alguĂ©m, conversar e combinar algo. Quando encerramos uma reuniĂŁo ou ConcĂlio, ficamos arrumando os livros e documentos enquanto estamos, apenas com os lĂĄbios, cantando uma oração de louvor ao SantĂssimo. Veja como ensinamos pelo mau exemplo!
Falta reverĂȘncia em nossos dias. Ă difĂcil achĂĄ-la no mundo e nas ditas igrejas evangĂ©licas. Mas tambĂ©m estĂĄ muito ausente entre aqueles que confessam a verdadeira fĂ© bĂblica e reformada.
Precisamos meditar nas palavras de Hebreus 12:18-29. E, depois de meditar nelas, precisamos pĂŽ-las em prĂĄtica. Precisamos orar a Deus pedindo-lhe mais da Sua graça para que possamos servir ao Senhor de modo agradĂĄvel, com reverĂȘncia e santo temor, âporque o nosso Deus Ă© fogo consumidorâ.
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Kenneth Wieske Ă© pastor e serve as Igrejas Reformadas do Brasil na plantação de igrejas e preparação de oficiais. Ao mesmo tempo, deu inĂcio ao trabalho do seminĂĄrio confessionalmente reformado em Recife.