A DOUTRINA DE DEUS — A PRESCIÊNCIA DE DEUS
O conhecimento de todas as coisas é apropriadamente atribuído a Deus (2 Coríntios 12:2-3; cf. Atos 2:23; Romanos 8:29; 11:2; 1 Pedro 1:2). O conceito de presciência pode ser usado de duas formas: como uma expressão do conhecimento de todas as coisas, mesmo antes que elas aconteçam no tempo, e também como um ato de escolha ou ordenamento. A primeira é o assunto sendo considerado neste texto; A última é tratada brevemente no texto sobre eleição.
O conceito de presciência está relacionado às coisas conhecidas por Deus e à ordem nas quais elas se apresentam umas às outras como elas são, sejam para nós o passado, o presente, ou o futuro. A todas estas coisas Deus conhece igualmente desde a eternidade. Coisas que para nós são ainda do futuro, já foram conhecidas por Deus desde a eternidade; o Seu conhecimento do futuro é tão real e verdadeiro que quando os eventos se tornam “passado” para nós (baseados na efetiva ocorrência no tempo), Deus os conhece da mesma forma que Ele fez anteriormente. Nada é alterado no Seu conhecimento por causa da passagem do tempo; a Sua compreensão é infinita e imutável.
Algumas pessoas se opuseram à premissa do perfeito e completo conhecimento de Deus sobre todas as coisas, antes da ocorrência delas. Esses desafiadores apontam para passagens na Escritura que parecem sugerir a falta de conhecimento de Deus: Deus receoso ou sendo amedrontado (Gênesis 3:22-23; Êxodo 13:17; Deuteronômio 32:26-27); Seu arrependimento (1 Samuel 15:10-11); uma mudança ou alteração da Sua mente (Números 14:27,30; 1 Samuel 2:30); ou Ele testando o coração humano para descobrir o seu conteúdo (Juízes 3:1,4; 2 Crônicas 32:21; Daniel 12:10).
Contudo, cada uma dessas passagens fala de Deus de uma maneira figurativa, ou antropomorficamente. Portanto, estas passagens não descrevem a natureza de Deus como Ele é. Ao invés disso, Ele é condescendente conosco e fala ao nosso nível, para expressar a realidade em termos humanos. Esse conceito pode ser ligado à conversa de um pai com um recém-nascido. O pai balbucia em “linguagem infantil” para se acomodar ao nível do bebê.
Em outras passagens da Escritura é diretamente dito que Deus não faz essas coisas, pois Ele não é um homem (1 Samuel 15:29). Essas características destruiriam a imutabilidade de Deus. Por exemplo, como pode Deus, em sua onipotência e natureza verdadeira, ter medo no mesmo sentido em que nós experimentados o medo? Adicionalmente, a abundância de evidência escriturística em favor do conhecimento de Deus demostra indubitavelmente a verdade da doutrina da Sua presciência.
A Escritura atesta que Deus conhece todas as coisas em todos os detalhes, quer seja o passado, o presente, ou o futuro. Ele compreende todos os caminhos e ações do homem, até mesmo antes deles ocorrerem (1 Samuel 2:3; Salmos 139:2-4; 147:5; Isaías 40:13-14,28; Atos 15:18; Romanos 11:36; Hebreus 4:13; 1 João 3:20). O incontável número de milagrosas predições na Escritura requer um detalhado conhecimento de todas as coisas. Através dos seus santos profetas, Deus predisse as livres ações dos homens, o que eles iriam fazer e o que eles deveriam fazer, muito tempo antes de que eles tivessem nascido (cf. Gênesis 15:13-14; 18:18-19; Deuteronômio 31:16-18; 1 Reis 13:2; 22:28; Mateus 24:5; Marcos 13:6; 14:30; Atos 20:29; 2 Tessalonicenses 2:3,4; 1 Timóteo 4:1; 2 Timóteo 3:1; 2 Pedro 2:1). Portanto, Deus sabia perfeitamente, desde a eternidade, todas as livres ações do homem antes que eles as tivessem realizado. Este conhecimento se estende até mesmo àquelas coisas que dizem respeito aos segredos dos corações dos homens (Deuteronômio 31:21; 1 Samuel 16:7; 23:12; 1 Reis 8:39; 2 Reis 8:12-13; Jó 31:4; Salmos 38:9; 94:11; Provérbios 15:11; Isaías 48:4; Jeremias 17:9-10; Ezequiel 11:5; Mateus 6:4,6,8; Lucas 16:15; Atos 1:24; Apocalipse 3:15).
Algumas pessoas interpretam erroneamente a presciência de Deus em relação às ações de todos os homens como a causa lógica e a priori da Sua predeterminação de todas as coisas. O conhecimento de Deus, eles incorretamente presumem, faz Deus moldar o Seu plano para a eternidade. Contudo, enquanto tanto a presciência quanto o conselho predeterminado de Deus ocorrem desde a eternidade (considerada temporalmente), a presciência de Deus deve ser interpretada como vindo depois da Sua predeterminação (considerada logicamente). O conhecimento de Deus sobre as livres ações futuras dos homens não O faz adaptar as Suas obras para ficarem de acordo com isto – pois colocaria Deus abaixo do homem, como Aquele que é reativo e sujeito, ao invés de determinante e soberano. Certamente, o que não é pré-decretado não pode ser certeza e, portanto, não pode ser conhecido. No entanto, mediante a determinação do conselho soberano de Deus, desde a eternidade, a Sua presciência se estende para uma compreensão de todas as coisas – também desde a eternidade.
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Sexto artigo da série "Grandes Doutrinas da Fé Cristã Reformada". Publicado com autorização.
Adaptado à partir da obra “Vindiciae Evangelicae, ch.5”, de John Owen (1616–1683).
* The Reformation Heritage KJV Study Bible, Joel R. Beeke (editor geral), Reformation Heritage Books (RHB), Grand Rapids, Michigan, 2014, “List of In-Text Articles”. http://kjvstudybible.org