Ontem, o meu dermatologista removeu um câncer de pele de células basais da minha pálpebra inferior esquerda. Na cirurgia de Mohs[1], o médico remove uma fatia da área afetada. Eles a examinam microscopicamente e, se existe mais câncer, removem outra fatia, até as margens estarem livres de câncer. Tipicamente, uma ou duas fatias são necessárias, mas no meu caso ele precisou retirar quatro camadas, pois se estendeu para baixo e para os lados. Isto incluiu 60% da pálpebra. Se tivesse comprometido 30% ou menos, a cirurgiã plástica poderia ter apenas juntado as partes, mas uma cirurgia mais ampla foi necessária. Mary me retirou do consultório do dermatologista, direto para o ambulatório cirúrgico. Deus nos concedeu os dois melhores médicos possíveis. Então, a cirurgiã plástica enxertou um pedaço de pele da dobra da minha pálpebra superior para reparar o ferimento na inferior. Em seguida, ela fez um retalho de cartilagem da pálpebra superior e suturou-o no local da ferida. Consequentemente, meu olho está fechado e tampado, permitindo que a cartilagem estabeleça um suprimento de sangue no local da ferida. Em três semanas, ela vai cortar a cartilagem compartilhada e, apesar da falta de 60% dos meus cílios inferiores, a reparação não deve ser perceptível. A coisa surpreendente é a forma como o corpo restaura a si mesmo — nós somos feitos de um modo assombrosamente maravilhoso!
Suponho que eu seria muitíssimo puritano para não refletir sobre as lições a serem aprendidas e para examinar a mim mesmo depois de passar por estas cirurgias. Espero que este autoexame seja uma coisa boa, embora possa ser doloroso em si, e, é claro, pode tornar-se demasiadamente introspectivo, se não for cercado por princípios bíblicos como os ensinados por João Calvino. Calvino ensinou que o autoexame é necessário e proveitoso, desde que seja baseado nas Escrituras, termine em Cristo e seja guiado pelo Espírito Santo. Aqui estão 10 reflexões práticas do dia depois da minha cirurgia, no qual eu espero que você encontre utilidade:
(1) Diferente de Deus, os médicos não são infalíveis, soberanos, e todo-poderosos. Eles também podem cometer erros. Eu tenho um dermatologista muito habilidoso, com quem frequentemente eu converso sobre teologia — ele já leu vários dos meus livros. Apesar de ter um excelente dermatologista, ele errou ao diagnosticar uma verruga na minha pálpebra inferior no início deste ano, e me disse que não era definitivamente cancerosa. Quatro meses depois, contudo, ela provou ser cancerosa. “Lamentavelmente”, disse ele, “Eu estava errado da última vez, mas você conhece sua teologia o bastante para saber que apenas Deus é infalível!”. Bem, eu não pude argumentar contra isto! Enquanto isto, a lesão continuou a crescer, até finalmente eu conseguir encontrar dois especialistas que me atenderam ontem, um após o outro. Contudo, vejo ainda mais claramente agora que tudo isso, é claro, foi obra da vontade soberana de Deus para mim. (Falando de forma positiva, meu dermatologista esteve certo em outras dez vezes que eu tive lesões menos sérias retiradas por ele, na maioria, em minha face. Parece que eu herdei este espinho na carne do meu pai. Meus irmãos e sobrinho também têm o mesmo problema.)
(2) Abaixo de Deus, os médicos são importantes e inestimáveis. Nós não depositamos a nossa confiança definitiva em médicos terrenos, mas sim em nosso Deus Triúno celestial. Contudo, mesmo quando agimos assim, reconhecemos que a Causa Última de todas as coisas (o nosso soberano e paterno Deus) normalmente conduz a sua vontade paterna através de causas secundárias (como médicos terrenos). Portanto, não é errado, mas sim importante, fazer perguntas significativas e buscar médicos altamente qualificados em cujas habilidades humanas podemos confiar a nível secundário. Os médicos que Deus me concedeu são ambos bem conhecidos por serem altamente habilidosos e qualificados — e eu tive algum conforto no fato de que vários dos meus amigos médicos concordaram enfaticamente com isto. Considero tudo como um ato significativo da graça de Deus na situação abrangente que experimentei ontem.
(3) A fé versus os sentidos e a descrença, por vezes, disputam uma batalha feroz. Isto já tinha começado no início deste mês, quando a cirurgiã plástica me disse, em uma consulta pré-operatória, que apesar de ser raro (5% de chance, ela disse) existem ocasiões em que, se mais de 30% da pálpebra inferior precisa ser retirada, então a cirurgia se torna “confusa e complicada” e o olho precisa ser suturado e tamponado por cerca de três semanas. Sabendo por quanto tempo este câncer esteve crescendo, fiquei imediatamente receoso e assustado. Uma semana depois este medo foi agravado ao falar com alguém que tinha passado por esta cirurgia e tinha desenvolvido sérios problemas, de tal modo que foi preciso outra cirurgia três meses depois. Assim, quando o meu dermatologista me disse ontem que uma segunda extração cirúrgica precisaria ser feita, pois o câncer era mais profundo e extenso do que se imaginava e a primeira extração tinha ficado a desejar, eu perguntei ao médico se isto significava que ele teria que retirar mais do que 30% da minha pálpebra, tendo eu que ser encaminhado para uma cirurgia plástica mais difícil e complicada. Quando ele disse, “Eu receio que isto deve acontecer”, meu pensamento imediato foi, “Mas Senhor, a última pessoa que orou comigo no Seminário, nesta manhã, não rogou que tu poderias fazer tudo mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos — tinha sido exatamente esta a minha oração no dia anterior — e esta oração não está sendo refutada agora?” A batalha da fé contra os sentidos foi inflamada. O meu único recurso foi o de conscientemente disciplinar a minha mente a correr para Cristo.
(4) A fé e a autopiedade podem facilmente coexistir. Depois do dermatologista retirar uma grande porção, nesta segunda vez, eu me senti confiante de que o câncer tinha sido completamente removido, mas o relatório voltou informando que ainda havia câncer em ambos os lados, o que significava que uma porção ainda maior da minha pálpebra ainda precisaria ser retirada. Por poucos minutos a fé recuou e a autopiedade colocou sua cabeça de fora. Novamente, o meu único recurso foi o de pensar em Cristo — especificamente naquela maravilhosa primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg, que diz que o meu único conforto na vida e na morte é que eu pertenço a Ele.
(5) A fé e a falsa submissão são frequentemente difíceis de discernir. Quando voltou a notícia de que eu iria precisar de uma quarta extração, quase sem precedentes, eu não senti nada além de submissão, contudo uma submissão mista. Por um lado, eu senti como se eu pudesse entregar tudo nas mãos de Cristo, mas ao mesmo tempo me senti entorpecido e estóico. Eu tinha desistido da batalha, mas aquela rendição não era pura em sua motivação. Mais uma vez eu tive que correr para Cristo por ajuda e perdão, em toda a minha indignidade.
(6) Apesar da ação da fé, o livramento de Deus é muitas vezes uma bela surpresa. Enquanto eu esperava que as enfermeiras voltassem à sala de espera e dissessem, “Você precisará ainda de mais cirurgia de retirada”, elas vieram e disseram, “Agora você pode ir para a cirurgia plástica!”. Eu estava tão surpreso que eu tive que pedir para ela repetir o que tinha dito. A bondade de Deus me surpreendeu extraordinariamente, apesar de saber que o caminho diante de nós não seria fácil.
(7) A meditação em Cristo é, de longe, a nossa mais importante ajuda nos dias de aflição. O fato de que Ele sofreu e morreu por mim e que está sempre intercedendo por mim, me permite nunca estar distante da sua perfeita visão como meu sumo sacerdote, e tendo Ele planos e objetivos perfeitos para mim, assim como os de me apartar deste mundo e me amadurecer para a glória, ajuda mais do que tudo, a tornar o meu pensamento cativo e submisso neste dia, mais do que qualquer outra coisa. O pensamento mais útil de todos foi este: se Cristo foi submisso ao passar por mim, um pecador sem merecimento, sofrimentos muito piores do que os meus, por que não deveria eu ser submisso a Ele quando sua providência está conduzindo-me através das provações, para a sua glória e para o meu bem?
(8) Uma esposa temente a Deus para apoiá-lo e ajudá-lo a orar na sua caminhada, no dia quando se submete a uma cirurgia, é uma dádiva inestimável. As orações da minha Rainha comigo, através das ondas de desapontamento do dia, junto com os seus comentários constantes, “Tudo ficará bem, querido”, e, “Deus irá ajudá-lo através de tudo isto”, tiveram mais significado para mim do que os sermões, naquele momento.
(9) As orações dos crentes também são um suporte extraordinário, tanto pessoalmente quanto através de mídia eletrônica, particularmente quando eles rapidamente enfatizam uma ou duas das doces e poderosas promessas de Deus. A cada vez que voltávamos para a sala de espera, depois de outra camada de câncer ter sido removida, nós orávamos, meditávamos, e então abríamos o e-mail e o Facebook, para encontrar novas orações esperando por nós. O amor e a ajuda que nós recebemos disto — frequentemente vindo de pessoas que eu visitei frequentemente em tempo de necessidade — está além das palavras. A comunhão dos santos é doce.
(10) A comunicação amável, calorosa e objetiva são ajudas humanas significativas, em momentos de aflição. Em ambos os ofícios, os médicos e as enfermeiras mostraram notável bondade e empatia enquanto falavam comigo. A sua comunicação clara e honesta também foi de grande ajuda. Por exemplo, imediatamente antes de eu ir para a cirurgia, a minha cirurgiã plástica, com quem eu tinha me encontrado apenas uma vez anteriormente, assegurou-me que, embora o procedimento de sutura fosse necessário e desagradável, ela já tinha feito um grande número destes procedimentos e acreditava que tudo terminaria bem, a longo prazo. Ela fez um excelente trabalho de encorajamento fazendo-me meditar nos benefícios a longo prazo, ao invés do desconforto a curto prazo. Ela também, alegremente permitiu-me orar por ela e me agradeceu calorosamente por isso. Depois da cirurgia, ela foi novamente muito tranquilizadora, e me disse exatamente o que esperar e deixou bem claro que ela estaria disponível a qualquer hora e momento para lidar com quaisquer complicações que pudessem surgir.
Em conclusão, deixe-me dizer que é bom para um ministro da palavra estar no pós-operatório. Nas últimas quatro décadas eu tive o privilégio de visitar mais de 5.000 paroquianos no hospital. Estar no pós-operatório como paciente faz alguém perceber mais nitidamente do que nunca como são importantes os modos, a postura e as palavras usadas nas orações por parte dos médicos, pastores e enfermeiras.
Isto também me conduz a um respeito e amor renovados por aqueles que tiveram que enfrentar doenças mais sérias e ameaçadoras e a refletir no seu consentimento. As suas provações acabaram nos fazendo enfrentar a nossa própria mortalidade e a necessidade de preparação para encontrar com o nosso Deus.
Bem, a rotina alternada de compressas de gelo durante vinte minutos nos próximos dias, devem me conceder mais tempo para reflexão, mas eu rogo para que estas 10 reflexões possam ser úteis, de alguma forma, para todos nós.
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[1] A cirurgia de Mohs é uma técnica utilizada para retirada de alguns tipos de câncer de pele
Artigo originalmente disponível em http://www.joelbeeke.org/2015/11/ten-lessons-from-my-eye-surgeries