A adoração do Dia do Senhor é o grande drama do discipulado cristão. É o contexto principal em que os cristãos são transformados em maduros discípulos de Jesus Cristo, através dos meios de graça ordenados por Deus. Tem sido assim desde o início.[1]
Em nossos dias, no entanto, o foco bíblico da adoração como discipulado parece ter se perdido em muitas de nossas igrejas. O destaque na formação de discípulos é colocado sobre pequenos grupos e sob o ensino individual, em lugar de na adoração pública e através dos meios de graça. De fato, muitos acreditam que o discipulado ocorre predominantemente nas salas de estar e nas cafeterias, e não nos templos com a igreja reunida. Essa noção não bíblica é mais difundida do que as pessoas imaginam.
Nossas igrejas precisam recuperar a prioridade bíblica da adoração pública no Dia do Senhor como a principal esfera do discipulado cristão.[2] Além disso, precisamos recuperar os elementos bíblicos do culto público como um meio eficaz para a maturidade espiritual. Em outras palavras, devemos recuperar o discipulado nos termos estabelecidos por Deus. No entanto, antes de explorarmos a natureza da adoração como discipulado, devemos primeiro perguntar: O que está errado?
Uma mudança significativa
No que diz respeito ao discipulado, ocorreu uma mudança significativa na primeira metade do século XX, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Em resposta à maré crescente do liberalismo teológico nas principais denominações — em ambos os lados do Atlântico — as organizações paraeclesiásticas começaram a brotar e se multiplicar. Compreensivelmente, os cristãos que creem na Bíblia perderam a confiança na igreja. Então eles começaram a procurar direção espiritual em outros lugares. E a encontraram em organizações evangélicas paraeclesiásticas, como a Associação Evangelística Billy Graham, a Campus Crusade for Christ, a Christianity Today, a Christian Student Union e uma série de outras mais. Organizações paraeclesiásticas como essas, corretamente enfatizaram uma alta visão das Escrituras, a conversão bíblica e o crescimento espiritual e o discipulado ao longo da vida. Mesmo assim, o discipulado cristão foi repetidamente apresentado como estando vagamente conectado à adoração e ao ministério da igreja. É a ideia "de que discípulos verdadeiros são formados não no drama do ministério comum da Palavra e dos Sacramentos e no cuidado dos presbíteros e diáconos, mas na superespiritualidade dos conclaves paraeclesiásticos".[3]
Um bom exemplo disso pode ser visto em The Navigators, uma organização paraeclesiástica bem conhecida e influente que se especializa em “Life on Life discipleship”, desde 1933. Em uma das seções do seu site, nenhuma palavra é mencionada sobre a Igreja. Além disso, sua declaração de fé, valores centrais e visão estabelecida não dão a expressa atenção ao ministério da igreja ou aos meios de graça. Alguém que lê este site pode facilmente ser levado a concluir que a igreja tem muito pouco ou nada a ver com o discipulado cristão. Não é de admirar, então, que tantos evangélicos não façam do culto do Dia do Senhor uma prioridade no processo de fazer discípulos.
Uma visão correta da adoração
Para entender corretamente a adoração do Dia do Senhor como discipulado, devemos primeiro reconhecer o que não é adoração pública. A adoração não é uma cruzada evangelística.[4] Também não é um momento para entretenimento santo, ou para mostrar os talentos de pastores, congregados, músicos, cantores, dançarinos ou atores.[5] O culto público também não é uma reunião informal da igreja para encorajar e informar ao rebanho sobre programas futuros e oportunidades de trabalho. Embora, infelizmente, essas ênfases tenham se tornado familiares demais nos cultos de hoje, em nenhum lugar das Escrituras a adoração divina apresenta essas características. Não, a palavra de Deus ensina algo muito diferente.
O culto bíblico é um encontro sagrado entre Deus e o povo da aliança (ou seja, a igreja visível). É onde Cristo, através de sua Palavra e Espírito, aperfeiçoa seus discípulos. Em outras palavras, a adoração é um contexto sagrado em que o próprio Cristo ascendido comunica, alimenta, nutre, conforta e fortalece a fé do seu rebanho através dos meios comuns de graça. Deus não está apenas presente conosco no culto público, ele está ativo entre nós através da sua Palavra, dos sacramentos e oração. Portanto, a adoração do Dia do Senhor não deve ser menos que o irromper salvífico das realidades maiores e eternas do reino de Deus nas realidades menores e temporais dos reinos humanos. É a oficina do Espírito Santo, e não apenas mais uma reunião da igreja. É onde os discípulos são produzidos.
Visto que a adoração do Dia do Senhor é a atividade principal da igreja e essencial ao discipulado cristão, também é importante mencionar que deve ser liderada pelo ministro. De fato, os ministros de Deus são "ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus" (1 Co. 4: 1). Eles foram chamados por Deus e designados pela Igreja para liderar, alimentar e discipular o povo de Deus. Portanto, entregar a liderança do culto público a leigos necessariamente compromete a função e a prioridade do culto como discipulado.
A Grande Comissão | Faça discípulos
Depois de sua gloriosa ressurreição, pouco antes de subir ao céu, Jesus declarou aos apóstolos:
Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.[6]
Observe que Jesus afirma claramente o mandato e os meios para a missão da igreja. Claramente, o mandato é fazer discípulos de Jesus Cristo. Os meios ou ferramentas para cumprir a missão, são a Palavra de Deus e os sacramentos.
Os apóstolos cheios do Espírito cumpriram a missão de Cristo "em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra" (Atos 1: 8). Ousadamente eles foram a todas as nações proclamando o evangelho, fazendo novos discípulos e plantando novas igrejas constituídas de crentes com seus filhos.[7] Essas igrejas, lideradas por presbíteros qualificados e designados, foram dedicadas ao discipulado por toda a vida de seus membros, através dos meios comuns de graça. Em outras palavras, no culto corporativo da igreja, através do ritmo semanal do ministério fiel da Palavra, dos sacramentos e oração, a principal obra do discipulado estava sendo realizada.[8]
Como os meios de graça são fielmente estabelecidos semana após semana no culto público, e a presença especial de Deus se manifesta entre o povo da aliança, Deus está, assim, discipulando ativamente o seu povo. A formação de discípulos em cumprimento à Grande Comissão, portanto, não é apenas algo que acontece “lá fora” no campo missionário. Em outras palavras, não é apenas algo que acontece entre os aborígines do Outback (deserto australiano) ou entre os cidadãos de Madagascar. Não, o fazer discípulos ocorre todo Dia do Senhor no culto da manhã e da tarde em toda Igreja verdadeira. E aquelas congregações que estão mais comprometidas em fazer discípulos com maturidade em casa, geralmente são as mais dedicadas a fazerem discípulos em todo o mundo. Não é assim que costuma acontecer?
O culto do Dia do Senhor também é um discipulado ao longo da vida ― uma bigorna santa da graça santificadora desde o batismo até à sepultura. Ao contrário das ervas daninhas, os poderosos Live Oaks[9] não surgem da noite para o dia. Raízes fortes e profundas levam anos, até décadas, para crescer. Isso também é verdade para o discípulo cristão. Consequentemente, qualquer livro ou ensino que prometa sete passos rápidos para a maturidade cristã, não entende a natureza do discipulado. É um empreendimento ao longo da vida ― uma supermaratona, não um Sprint (corrida de velocidade).
Conclusão
As organizações paraeclesiásticas podem — e geralmente fazem — fornecer caminhos e recursos úteis para o discipulado cristão. Mesmo assim, eles nunca devem ser adotados como substitutos do ministério pastoral e da adoração na igreja local. Além disso, pequenos grupos de orientação individual, embora frequentemente benéficos, devem sempre ser vistos como fruto do “culto/discipulado” do Dia do Senhor, e nunca como uma alternativa a ele. A igreja e os meios de graça são ideias de Deus. Questioná-los ou substituí-los, portanto, é desafiar a sabedoria de Deus.
Como então o conceito bíblico da adoração como discipulado deve impactar nossa abordagem do culto no Dia do Senhor? Primeiro, os pastores devem tomar muito cuidado na preparação e execução dos serviços de culto do Dia do Senhor. Cada elemento da liturgia, desde a chamada à adoração até à bênção final, desempenha um papel significativo na maturidade do discípulo cristão ao longo da vida. Alguns tratam todos os elementos da liturgia que antecedem à pregação como um mero banner decorativo.[10] Isso é um erro. Todos os elementos do culto público são importantes, mesmo que não sejam iguais; e todos eles participam da formação espiritual do crente.
Segundo, os membros da igreja devem participar alegre e diligentemente dos cultos do Dia do Senhor. Negligenciar a adoração é, entre outras coisas, desconsiderar o discipulado cristão e subestimar os meios de graça escolhidos por Deus. O culto público, portanto, não é opcional. De fato, é inegociável para todo crente sério.
Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima.[11]
A adoração do Dia do Senhor é um oásis semanal da graça para os peregrinos cristãos que viajam no árduo caminho do discipulado. Portanto, querido crente, aproveite todos os benefícios espirituais que Deus oferece a você e sua família, no culto da manhã e da noite. Participe da adoração com ansiosa e alegre expectativa, crendo que Cristo aperfeiçoa seus seguidores na assembleia pública. Isso é discipulado nos termos de Deus.
O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará. (1 Ts. 5: 23–24)
O Rev. Dr. Jon D. Payne nasceu e foi criado em Santa Clara, Califórnia. Ele se formou na Universidade Clemson (BA), no Seminário Teológico Reformado (MA; D.Min) e na Universidade de Edimburgo (Escócia), New College (M.Th.). Ele é ministro da Igreja Presbiteriana de Cristo, uma nova igreja em Charleston, Carolina do Sul, tendo sido anteriormente pastor sênior da Igreja Presbiteriana de Graça (PCA) em Douglasville, Geórgia (2003-2013) e é Professor Visitante em Teologia Prática na Reformada Seminário Teológico em Atlanta.
1. Êx. 20:8-11; Sl. 84; At 2:42; 20:7; Mc 16:2; I Co. 16:2; Ap. 1:10
2. O cético Voltaire disse uma vez que se você se livrar do sábado cristão, se livrará do cristianismo. Não por causa de um apego supersticioso, mas porque é neste dia que o Deus Triúno prometeu abençoar a Terra com a introdução de seu reino, criando torrentes no deserto.” (Mike Horton, The Gospel Commission, 184 )
3. Michael Horton, The Gospel Commission, 165.
4. Embora a adoração bíblica não seja, por natureza, uma reunião evangelística, certamente há um efeito evangelístico que ocorre quando o evangelho é estabelecido em todo o serviço de culto. Paulo escreve: “A fé pelo ouvir e ouvir a Palavra de Cristo.” (Rm. 10:17)
5. Muitos serviços de culto público evangélicos hoje se parecem mais com programas de variedades do que com cultos divinos. Recentemente, uma igreja da minha denominação contou com acrobatas, palhaços e cantores profissionais em seu culto do domingo pela manhã. Foi uma apresentação de trinta minutos, iniciando uma nova série de sermões usando filmes populares como "The Greatest Showman" para se conectar com aqueles que foram excluídos da igreja.
6. Mateus 28: 18-20; ênfase minha
7. Atos 2: 38-39; 16:15, 34; Ef. 6: 1-4.
8. Os primeiros cristãos "perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2:42). O apóstolo Paulo escreveu à jovem igreja de Colossos: “O qual [Cristo] nós anunciamos ... a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Colossenses 1:28).
9. É um dos vários carvalhos que apresentam a característica folhagem verde. O nome Live Oaks (carvalho vivo) vem do fato de que estes carvalhos permanecem verdes e "vivos" durante o inverno, quando outros carvalhos estão adormecidos e sem folhas.
10. Tipo de toalha decorativa para cobrir a frente de um altar nas catedrais.
11. Hebreus 10: 23–25. Veja também CFW 21.6 - “Deus deve ser adorado em todo o lugar, em espírito e verdade — tanto em família diariamente e em secreto, estando cada um sozinho, como também mais solenemente em assembleias públicas, que não devem ser descuidosas, nem voluntariamente desprezadas nem abandonadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião.”