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O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional

A primeira igreja presbiteriana a se instalar no Brasil foi a Igreja Presbiteriana do Brasil. Tanto a Junta de Missões da então PCUSA quanto a da PCUS (após 1867) estiveram envolvidas nas ações missionárias no país. O fundador, Ashbel Green Simonton, era um ministro da igreja do Norte, ordenado sob os auspícios da "Old School", em função da influência de Hodge, seu professor em Princeton. Paul Pierson é de opinião que este fato moldou uma combinação de duas características da futura igreja: "a predominância da ortodoxia de Westminster e o espírito eclesial que, no contexto brasileiro, se tornou bastante autoritário em certos tempos".1 Pierson afirma ainda que, em sua opinião, a IPB que surgiu no século XIX foi fruto do Presbiterianismo da Velha Escola, o que se evidencia pelos primeiros missionários que vieram e pelas primeiras obras teológicas publicadas em português (exatamente o Comentário à Confissão de Westminster de A. A. Hodge,2 bem como a Confissão e os Catecismos: Acrescenta ainda que dentre os teólogos mais citados no Brasil, Charles Hodge, Thornwell e Dabney sempre eram presentes!".3 Daí, diz ainda, o Presbiterianismo brasileiro se tornou "fortemente conservador desde o princípio".4

Este historiador nos informa ainda que, quanto à subscrição confessional, a IPB adotou, em seu Livro de Ordem de 1937 um requerimento estrito de todos os seus ordenandos: antes estes apenas tinham que sustentar o governo da Igreja Presbiteriana do Brasil; daí, passaram a votar também uma aceitação estrita dos Símbolos de Westminster, isto é, não apena como contendo, mas sendo o sistema de doutrina da Bíblia.5


Quanto às mudanças efetuadas pelas igrejas-mães,6 em 1903, nada se encontra no Digesto Presbiteriano pioneiro de Mário Neves;7 é Pierson, mais uma vez, quem nos socorre, informando que a IPB não as adotou, ao contrário à predecessora americana (PCUSA).8 Algo que não é fácil explicar é a razão pela qual certas edições da Confissão de Fé, por uma iniciativa do início do século assinada por John Merryl Kyle, vinham trazendo estes textos não aprovados pela IPB.9 Mas o próprio Pierson nos afirma que a IPB não as adotou,10 e que "nenhuma modificação subsequente foi feita",11 evidentemente após a formação do Sínodo do Brasil, em 1888. No entanto, a edição mais recente da Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil, embora não mais contendo a Declaração Explicativa, agrega os dois capítulos adicionados sem dar qualquer indicação de quando a IPB tenha resolvido adotá-los, ou que tenha mudado de posição. Certamente faltou uma indispensável nota de explicação acerca da razão de lá constarem esses dois capítulos.12


No âmbito da Igreja Presbiteriana Independente, surgida em 1903, também houve controvérsia sobre a subscrição confessional. Por volta de 1938, o Sínodo Geral da IPIE recebeu uma consulta sobre a validade de uma licenciatura ao ministério de um candidato que declarasse exceção quanto a uma doutrina da Confissão de Fé, no caso o Capítulo XXXIII: 2, que versa sobre "as Penas Eternas". O caso é verídico: o candidato em questão disse que não subscreveria essa doutrina, além de haver declarado sua inclinação à doutrina herética do "aniquilamento dos ímpios", e o seu presbitério, mesmo sob protesto de vários de seus membros, decidiu licenciá-lo. Tal natureza de assunto gerou uma enorme controvérsia dentro da denominação, o que conduziu, ao fim, à separação dos chamados "conservadores" de entre os liberais da IPIE, vindo os primeiros a constituir uma nova denominação, a Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil. E um dos seus ministros, o Rev. João Alves dos Santos, que também é professor no CPAJ da IPB, oferece um substancioso histórico dos eventos.13 Pierson ainda acrescenta o dado de que a polêmica alcançou também o seminário Independente, no qual o candidato à licenciatura havia estudado, "onde quatro dos liberais eram professores".14 Obviamente que os liberais a que se refere eram ministros da IPIB que tendiam a favor da liberdade de proceder-se à licenciatura do candidato, a despeito da exceção.


Quanto à IPIB, isto é, ao contingente remanescente depois da saída dos "conservadores", o que transparece é que a questão confessional e subscricional passou mesmo por mudanças. Hoje, a denominação apresenta características que deixam um observador externo à vontade para anotar decisões que percebem a denominação no rumo da liberalização: a denominação referenda a agenda ecumênica internacional do Concílio Mundial de Igrejas15 via Aliança Mundial de Igrejas Reformadas; além disto, ironicamente, voltou a IPIB a se relacionar com a PC (U.S.A.) após a fusão das duas denominações presbiterianas norte-americanas em 1983. Mais que isso, a IPIB aprovou recentemente a ordenação feminina em quaisquer níveis de seu ministério, tal como já têm feito as denominações chamadas "reformadas" que estão adotando a agenda do liberalismo moderno; isto significa, para todos os efeitos, a adoção de uma "qualificação" oficial surpreendente sobre os capítulos XXX e XXXI da CFW: o texto sempre se refere, e todas as denominações reformadas assim entenderam até ao advento do liberalismo, tratar-se de "homens" para o presbiterato; somente uma reinterpretação do gênero masculino usado no texto, passando a significar, masculino e feminino ao mesmo tempo, poderia permitir tal mudança. Em outras palavras, o significado livre estaria recaindo sobre a ideia de "gênero humano". Foi o que aconteceu com a IPIB.


Voltando à IPB, o quadro que hoje se nota é difícil de se definir. A Constituição da Igreja, em seus Princípios de Liturgia, dispõe que o ato de ordenação e instalação, tanto de presbíteros e diáconos, quanto de ministros da Palavra, requer "lealdade à Confissão de Fé, aos Catecismos e à Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil”.16 Quanto ao Manual do Culto, este dispõe a questão da subscrição confessional para o ato público de ordenação, tanto de diáconos quanto de presbíteros e ministros, e bem assim para licenciatura de candidatos ao ministério, com o seguinte teor: "Recebeis e adotais sinceramente a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja, como fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras?”.17


À primeira vista, tal formulação da pergunta não deixa margem para dúvida sobre o objeto da subscrição — é mesmo à Confissão de Fé e aos Catecismos da Igreja que o ordenando ou licenciando subscreve. Por que então é difícil de se definir? Porque o panorama que se enxerga na denominação não reflete o que se subscreve! Aparentemente, cresce o número de ministros que são trôpegos no púlpito ou no ensino, procurando proporcionar bem-estar atraente, muitas vezes na forma de entretenimento associado ao cultivo do experiencialismo, mas oferecendo pouca substância da Palavra e doutrina, e deixando de "anunciar todo o desígnio de Deus" (Atos 20.27). Em muitas partes do país se repetem ocorrências de pastores que sucumbem facilmente a "cantos de sereias", isto é, aos ventos de doutrinas, que frequentemente vêm associados a métodos populistas de crescimento. Há mais de cento e sessenta anos, Samuel Miller alertava colegas da igreja do Norte, muitos deles seus ex-alunos em Princeton, contra esse risco.18


Por outro lado, é triste ver que muitas igrejas naufragam em determinados fracassos acarretados por seus próprios pastores, quando poderiam evitá-los se tivessem em bom número presbíteros preparados, firmes na doutrina; quantas vezes, tendo feito a pergunta a presbíteros já em pleno exercício de seu mandato numa igreja — "irmão, onde está sua Confissão de Fé?" — ou então — "irmão, você já leu toda a Confissão de Fé?", viemos a receber respostas negativas. Numa igreja em que, oficialmente, o voto de subscrição do presbítero regente é exatamente igual ao do presbítero docente, é de se perguntar: quem pode garantir a sinceridade e a honestidade de um voto assim?


Quantos pastores e presbíteros que não conseguem reconhecer os riscos de acalentar doutrinas espúrias como muitas que temos visto e enfrentado modernamente, e permitem que sejam cultivadas nas suas igrejas, até convidando palestrantes de outras confissões, com convicções alheias ao sistema doutrinário de Westminster, para ministrá-las aos seus rebanhos. São doutrinas como o carismatismo (que se abre para as revelações contemporâneas), línguas e profecias, maldições hereditárias, "confissão positiva" e "palavra de fé" (que impõem uma dimensão humanista em detrimento da divina sobre as realizações e os decretos), conceitos de "unção" (que tão alienados se encontram do sentido bíblico da palavra), o uso do evangelicalismo conversionista e universalista (que depõe contra a soteriologia calvinista), a proclamação franca e aberta do dispensacionalismo (que está numa via frontalmente oposta à doutrina da Aliança do Reino), e assim por diante; estas são ministradas irresponsavelmente sobre a vida dos servos de Deus, em muitos casos sem o devido zelo pela sanidade da doutrina, como é dever pastoral. Pergunta-se: onde está a "lealdade" da subscrição?


Continuando o diagnóstico, se é que possamos fazê-lo, inquirimos: quantas igrejas ainda fazem o salutar uso dos Catecismos em suas classes de Catecúmenos ou que o incentivam no uso familiar? Pode-se perguntar ainda: quantos presbitérios podem se sentir honesta e suficientemente desincumbidos em relação ao exame que fazem de seus candidatos ao ministério? Quantos conselhos também o podem em relação aos candidatos ao oficialato da igreja? Quantos presbitérios executam com a devida e necessária seriedade o escrutínio dos ministros de outras confissões que se candidatam e pleiteiam o ministério presbiteriano em suas jurisdições? Qual o motivo, pergunta-se, de crescer o número de judicações presbiteriais por afinidade teológica, e não por estratégia geográfica, paroquial? Miller também condenava tal artifício, com tristeza por ver que já se tornava realidade em sua denominação, há mais de um e meio século.19


Se esse quadro for verdadeiro, ainda que sem correr o risco de proclamar se ele reflete maioria ou minoria, vale a pena a IPB voltar os olhos para a história vivida pelas denominações que a antecederam nessas mesmas questões.


É fato que a questão confessional, seja enfocando o conteúdo, seja a hermenêutica, seja a subscrição dos Símbolos de Fé, sempre esteve no epicentro de turbulências denominacionais; algumas provocaram divisões, é verdade. Outras, com menos frequência provocaram e têm provocado reflexões sadias. O que está acontecendo com a PCA nos Estados Unidos, presentemente, é salutar. Mas certamente ajuda lembrar que também foi assim no passado: os primeiros concílios, aos quais toda a cristandade tributa seu apreço, correram também esses riscos. E correram conscientemente. Não há de ser diferente hoje.

 

Extraído do livro Subscrição Confessional do Rev. Ulisses Horta Simões, pp 158-164

Rev. Ulisses Horta Simões é Prof. de Teologia Sistemática e Apologética no Seminário Presbiteriano de Belo Horizonte, Mestre em Teologia Sistemática pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper)

1 Paul E. Pierson, A Younger Church in Search of Maturity (San Anto nio: Trinity University Press, 1974), 1974.

2 Publicação esta que, desde há muito, foi descontinuada pela editora oficial da denominação, e só recentemente relançada em português pela Editora Os Puritanos.

3 Ibid, 95.

4 Ibid,97

5 Ibid, 192.

6 Ou seja, acréscimo em XVI:7 (Obras), os novos capítulos XXXI (Espírito Santo) e XXXV (Amor de Deus e Missões), e a "Declaração

Explicativa", bem como supressões em XXV:6 (Papa como Anticristo).

7 Mario Neves, Digesto Presbiteriano (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1950).

8 326 Pierson, A Younger Church, 26.

9 Confissão de Fé e Catecismo Maior da Igreja Presbiteriana (São Paulo Casa Editora Presbiteriana, 1980). O mesmo vale para as edições de 1970 e 1951, por nós consultadas.

10 Pierson, A Younger Church, 99.

11 Ibid, 63.

12 Nota importante: Uma vez que o texto original do livro é anterior a 2002, digna de crédito, nos tempos mais recentes, é o esforço do atual trabalho editorial da publicadora presbiteriana, procurando corrigir essa falha histórica, consignando os devidos escrúpulos históricos à matéria.

13 http://www.ipcb.org.br/historia/a_questao_doutr.htm.

14 Pierson, A Younger Church, 193.

15 Ver O Estandarte, N° 104, Ano 11, novembro de 1997, p. 10.

16 Manual Presbiteriano, 15a Edição, Artigos 28 e 33 (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1999), 120, 122.

17 Manual do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 60, 65,69, 72.

18 Miller, Doctrinal Integrity, 65.

19 Ibid, 111, 116.

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