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O Santo Descanso e os Meios de Graça Públicos » Michael Hutchinson

Atualizado: 28 de jan. de 2020

O serviço de culto noturno está em situação difícil, de fato. Agora é incomum as igrejas realizarem dois cultos no Dia do Senhor.(1) Mesmo naquelas igrejas onde dois cultos são realizados, o segundo (à noite) é pouco frequentado. Essa falta de culto noturno (ou à tarde) nas igrejas protestantes é um fenômeno novo.(2) Nos primeiros quatro séculos após a Reforma, a maioria das igrejas se reunia para adorar duas vezes no Dia do Senhor e os dois serviços de culto foram considerados importantes. Somente nos últimos cinquenta anos o culto noturno se tornou tão incomum que se tornou uma verdadeira excentricidade; na verdade, desapareceu.

Parte da razão para isso — especialmente em igrejas que pertencem ao evangelicalismo em geral — é o fato de não existir um requerimento bíblico explícito para realizar dois cultos, embora, como veremos, haja várias passagens sugestivas. A falta desse mandamento explícito não significa que a prática tradicional de realizar dois cultos não tenha base bíblica, nem signifique também que o desaparecimento do culto noturno seja algo insignificante.


Alguns textos bíblicos sugestivos

Como nos falta um mandamento explícito ou direto de realizar dois cultos no Dia do Senhor, isso não significa que a questão esteja resolvida. Como vemos em nossa Confissão de Fé de Westminster, o que é lógica e claramente deduzido da Escritura, também é obrigatório. Assim, examinaremos vários textos que certamente sugerem a manutenção adequada de dois serviços, mesmo que não esgotem imediatamente a discussão e nos dê uma vitória retumbante para defender a "posição de dois cultos".


“Uma Santa Assembleia”

O Quarto Mandamento é um texto-chave para nossa compreensão daquilo que é permitido durante o dia designado para adoração. Negligenciado, no entanto, é assim que essa lei moral é aplicada e exposta nas jurisprudências levíticas. Levítico 23: 3 nos é pertinente: “Seis dias trabalhareis, mas o sétimo será o sábado do descanso solene, santa convocação [assembleia].” O Sabbath é um dia de descanso para o povo de Deus, mas a ideia de "descanso" deve ser entendida considerando-se a santidade deste dia. Os dois termos que ampliam nossa compreensão desse descanso são encontrados em Levítico 23: 3: "um descanso solene" e "uma santa convocação [assembleia]". O primeiro termo "descanso solene" (shabat shabaton), indica que esse descanso deve ser algo associado à solenidade. Nosso descanso no sábado não é apenas um descanso de relaxamento, mas um descanso santo. O segundo termo, “uma santa convocação [assembleia]” (mikrah-kodesh), refere-se a uma assembleia do povo para fins religiosos. A gramática de Lv. 23: 3 é tal que a primeira frase (“descanso solene”) se expande na segunda (“santa assembleia”). Portanto, podemos dizer que o povo deveria separar o Sabbath como santo, desfrutando de um descanso santo de adoração a Deus. O Sabbath é um dia que deve ser unicamente para adoração a Deus. Qualquer que seja o trabalho que realizemos durante os outros seis dias, nosso trabalho no Dia do Senhor — nosso foco — é a adoração.

Realizar dois cultos de adoração no Dia do Senhor é uma maneira visível de cumprir o propósito do sábado cristão; isso nos ajuda a santificar o dia, começando e terminando este dia com adoração a Deus. É difícil definir todo este dia como um santo dia de descanso e de adoração, quando há apenas um serviço de culto. Quando existem dois cultos, o dia inteiro é organizado em torno destes cultos, porque a adoração é o foco do dia. Isso nos ajuda a fazer do Dia do Senhor o Dia do Senhor. Assim, a prática de realizar dois cultos no Dia do Senhor é uma aplicação razoável da ordem para tornar o Dia do Senhor o sábado do descanso e uma santa assembleia.


“Seu constante amor pela manhã, sua fidelidade pela noite”

Um apoio adicional a dois cultos no Dia do Senhor é encontrado no padrão dos sacrifícios da manhã e da noite, na adoração do templo ordenada por Deus, no Antigo Testamento. Em Números 28: 1–8, lemos que o Senhor exigia que dois cordeiros fossem sacrificados por dia, um pela manhã e o segundo no crepúsculo. Devo enfatizar que esses sacrifícios eram atos de adoração. Eles lembravam ao povo de Israel do sacrifício como o caminho do perdão; olhando pelas lentes da primeira vinda de Cristo, isso sugere que o povo de Deus tenha tempo reservado para adoração no início e no fim do dia. A mesma passagem ordena sacrifícios e ofertas adicionais no Sabbath. A adoração no Sabbath era intensificada e ocorria de manhã e à noite.


O Salmo 92: 1–2 reflete essa prática quando fala da adoração da manhã e da tarde. “Bom é render graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã a tua misericórdia e, durante as noites, a tua fidelidade.” Isso significa uma ordem explícita aos cristãos de que eles, juntos, adorem duas vezes a cada Dia do Senhor? Não. Não é explícita, mas demonstra que o princípio estabelecido da adoração matutina e vespertina no Dia do Senhor não é uma tradição arbitrária, mas um reflexo de como o Sabbath foi guardado no Antigo Testamento.(3)


O Sínodo de Dort e o Culto Noturno

Este concílio é mais conhecido como o encontro internacional que foi reunido para lidar com as questões decorrentes da Remonstrância(4) e que resultou nos chamados Cânones de Dort. Há uma história ainda pouco conhecida deste Sínodo que ocorreu antes das resoluções que produziram estes Cânones. O Sínodo de Dort teve que lidar com vários pontos de preocupação e um deles foi exatamente a questão do segundo culto.(5) Mesmo em 1618-1619, a participação no segundo culto era um problema; certo observador notou que parte do problema era “livrar o povo daquela região, da prática do esporte ou do trabalho, aos domingos”.(6) Em virtude da batalha pelo segundo culto frente à controvérsia arminiana nos anos que antecederam o Sínodo de Dort, fica clara aqui a razão do porque a abordagem desta questão estava na agenda deles.(7)

Após as deliberações, foi decidido pelo Sínodo que o segundo culto não deveria ser negligenciado. De fato, o Sínodo de Dort levou isso tão a sério que ordenou que o segundo culto fosse realizado, mesmo que as únicas pessoas presentes fossem a própria família do ministro!(8) Além disso, esta determinação deveria ser executada "sob pena de severa censura eclesiástica".(9)


Outros benefícios

Se esperarmos recuperar o culto da noite em nossas igrejas reformadas, devemos primeiro recuperar uma visão reformada do sábado cristão como um dia de santo descanso. Então, devemos procurar viver de acordo com o que confessamos em relação à importância dos meios de graça públicos. O Catecismo Maior de Westminster, R. 154, diz: “Os meios exteriores e ordinários, pelos quais Cristo comunica à sua Igreja os benefícios de sua mediação, são todas as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os Sacramentos e a Oração.” Nossa união com Cristo é trabalhada pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho pelo qual Ele produz fé; essa fé é fortalecida cada vez mais, trazendo maior santidade através da Palavra e dos sacramentos.

A presença (ou ausência) de um culto noturno diz algo sobre o que realmente acreditamos quanto ao lugar dos meios de graça públicos. A ausência de um culto noturno é um indicador que pode demonstrar que não somos tão reformados na prática quanto na teologia. Considere os benefícios da adoração noturna! O povo de Deus é capaz de ouvir a Palavra pregada e essa Palavra não volta ao Deus Todo-Poderoso vazia (Isaías 55:11). No Sabbath, os crentes levantam suas vozes novamente em louvor, comungam juntos na Ceia do Senhor e reúnem suas petições, intercessões, confissões e adorações diante do Deus trino uma vez mais. Que benefício inestimável!


 

Michael Hutchinson é um veterano do Exército dos Estados Unidos; é empresário e estudante de teologia e estagiário na área pastoral na Igreja Presbiteriana de Wayside, perto de Chattanooga, Tennessee.

https://gospelreformation.net/case-evening-worship/

[1] Em uma pesquisa reconhecidamente não científica, liguei para trinta igrejas em minha região e perguntei se elas tinham um segundo culto no domingo. Encontrei apenas duas que ainda tinham um segundo culto. Algumas se reuniram uma segunda vez, mas pararam para que pequenos grupos de irmãos pudessem se encontrar. A maioria nunca teve um segundo serviço.

[2] No Brasil temos uma situação inversa, quando o culto matutino é que tem sido negligenciado. Uma forma de desprezo pelo culto da manhã tem sido substituí-lo pela Escola Bíblica Dominical. (NE).

[3] No Novo Testamento, Atos 20: 7–8 também é um texto sugestivo. Dirigindo-se aos crentes em Troas, Paulo “começou a falar” (διελέγτο) e, como pretendesse sair no dia seguinte, “prolonga” (παρέτεινέν) seu discurso até meia-noite. Embora isso também não seja um mandamento, é um exemplo aprovado da prática apostólica.

[4] Os Cinco Artigos da Remonstrância, foram proposições teológicas apresentadas em 1610 pelos seguidores de Jacó Armínio, morto em 1609, as quais discordavam das interpretações do ensinamento de João Calvino, então vigentes na Igreja Reformada Holandesa.

[5] Considerando as diferenças históricas entre aquela época e agora, o segundo culto no século XVII era realizado à tarde, e não à noite.

[6] John Hales, Golden Remains of the Ever Memorable Mr. John Hales of Eton College (London : Impresso para Tim. Garthwait, 1659), 4, http://archive.org/details/goldenremainsofe00hale.

[7] Embora houvesse dificuldades relacionadas ao segundo culto em 1597, em 1618 grande parte da controvérsia se concentrou na oposição dos ministros arminianos à exposição do catecismo de Heidelberg. Veja Donald Sinnema, “The Second Sunday Service in the Early Dutch Reformed Tradition” (O Segundo Culto do Domingo na Tradição Reformada Holandesa), Calvin Theological Journal 32: 2 (novembro de 1997): 318.

[8] Hales, Golden Remains , 4-5.

[9] Al Wolters, “How the Second Service Got Started” (Como o Segundo Culto Começou), The Banner (30 de março de 1981), p. 10.

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